No dia 20 de Fevereiro de 2010, um forte temporal trouxe destruição e morte à nossa amada Ilha da Madeira.
Em mais de seis décadas de vida, não me recordo de alguma vez ter presenciado uma queda de chuva tão diluviana e devastadora como a que ocorreu naquele trágico dia de Fevereiro. Sem me ter apercebido da dimensão e dos riscos que corria, saí de casa às 09h45, de automóvel – um pequeno Ford Fiesta -, para participar na reunião do Conselho Regional do PSD-Madeira, que ocorreria no CEMA, junto ao Madeira Shopping. Soube depois que a chuva começara a cair por volta das 03h00 da madrugada e que atingiu o grau máximo de precipitação entre as 09 e as 10h00 do dia 20, precisamente a altura em que, um pouco incautamente, me dirigia para a dita reunião. Rapidamente me apercebi da anormalidade da situação. O Caminho do Pilar, subida íngreme e estreita, por onde seguia, estava a transformar-se numa ribeira, as tampas das adufas tinham sido removidas pela força da água e delas saíam impetuosos e abundantes jactos que faziam engrossar o caudal provocado pela chuva, já de si torrencial. O percurso até ao CEMA foi feito com o carro sempre engatado em primeira, com todas as cautelas, pois, até lá, tive de circular em ruas alagadas, com os pavimentos completamente submersos, aproveitando, nalguns lanços, a altura dos passeios para o carro não submergir. Quando cheguei ao local da reunião, que acabou por ser cancelada, suspirei de alívio. Entretanto, através dos companheiros ali presentes e dos que iam chegando, íamos recebendo notícias sobre os estragos causados pela tromba de água nas vertentes sul da Ilha, com particular gravidade na cidade do Funchal e nos concelhos de Câmara de Lobos e da Ribeira Brava. Uma vez cancelada a reunião, regressei a casa por um percurso alternativo, tendo conseguido fazer o trajecto sem problemas de maior.
A partir daí, fui vendo, através da televisão, e ouvindo, através da rádio, o que estava a acontecer e tomando consciência da gravidade e extensão dos danos causados pelo temporal. À medida que o tempo passava, aumentavam a minha preocupação e ansiedade, sobretudo em relação às populações que a tempestade deixara completamente isoladas, das quais não havia qualquer notícia. A apreensão era muito grande em relação ao que poderia ter acontecido na freguesia do Curral das Freiras, geograficamente propícia a riscos acrescidos.
Pertencendo a uma família muito numerosa, com pessoas habitando em diferentes sítios do Funchal e noutros concelhos, foi com natural expectativa e alguma ansiedade que, apesar das dificuldades de comunicação, tentámos saber da situação em que cada um deles se encontrava. Também os nossos familiares ausentes no Continente ou no estrangeiro tentaram, por todos os meios, obter notícias a nosso respeito. Felizmente, não houve danos pessoais a lamentar na minha família, embora os que se encontravam na baixa do Funchal tivessem enfrentado dificuldades e riscos para se porem a salvo e outros tenham sido vítimas de danos materiais.
Lamento profundamente a perda de vidas humanas e apresento aos seus familiares e amigos as minhas sentidas condolências. Espero que os desalojados possam regressar, o mais brevemente possível, a suas casas ou a condignas habitações sucedâneas. Penso especialmente naqueles que sofrem as consequências psíquicas e emocionais da perda de entes queridos ou da devastação dos seus haveres e negócios.
Sublinho e enalteço as manifestações de solidariedade que de toda a parte, do Continente, da Região Autónoma dos Açores, das Comunidades Portuguesas, de países e organizações estrangeiras, do mundo todo, têm convergido para o Povo da Madeira, e expresso reconhecimento e apreço por todos aqueles, pessoas singulares ou colectivas, entes públicos ou privados, que têm ajudado, com o seu contributo, em dinheiro ou em espécie, a minorar os efeitos de tamanha catástrofe.
É devida uma palavra de satisfação e apreço pelo facto de o Presidente da República, o Governo Central e o Presidente da Comissão Europeia terem, desde o primeiro momento, tomado consciência da gravidade da situação e manifestado disponibilidade e empenho em ajudarem a Região Autónoma da Madeira.
Também deve ser salientado e reconhecido o papel imprescindível das Forças Armadas Portuguesas, das forças de segurança, das corporações de bombeiros e dos serviços de protecção civil, que, desde a primeira hora, com prontidão, eficiência, generosidade e patriotismo, coordenaram esforços para fazerem frente às terríveis consequências da catástrofe, quer em acções de busca e salvamento, quer na ajuda às populações, quer ainda na recuperação das acessibilidades e nos trabalhos de reconstrução.
Não posso esquecer a atitude solícita da Igreja Católica, protagonizada pelo Bispo do Funchal, D. António Carrilho, por sacerdotes e leigos, bem como das instituições particulares de solidariedade social, de voluntários e cidadãos anónimos, todos eles empenhados em minorar o sofrimento físico e moral das pessoas atingidas e em contribuir para recuperar a normalidade da vida na nossa bela cidade do Funchal e nas demais localidades e populações sacrificadas pelas forças da natureza.
É ainda devido um gesto de reconhecimento ao trabalho dos profissionais da comunicação social que, com competência e isenção, e também com sacrifício e risco, fizeram, e fazem, a cobertura da tragédia e suas consequências.
Uma última palavra para o Governo da Madeira e para os autarcas dos municípios atingidos pelo temporal, que se constituíram em exemplo de sacrifício, abnegação, lucidez e conjugação de esforços para superarem as trágicas consequências da catástrofe que se abateu sobre a nossa Ilha e restituírem-lhe a beleza e a harmonia que são apanágio da Pérola do Atlântico.
Não perderei tempo com controvérsias, nem muito menos com deslocadas e reprováveis tentativas de encontrar bodes expiatórios ou de incriminar alguém. Aqueles que verdadeiramente conhecem e amam a Madeira, neste momento e perante a extensão da desgraça que nos atingiu, apenas pensam em honrar os mortos e cuidar dos vivos. Mãos à obra!