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As medidas de confinamento, sobretudo durante os períodos em que vigorou o estado de emergência, propiciaram o apogeu do digital. Confinadas as pessoas, as empresas e as entidades públicas e privadas, incluindo as instituições de cariz religioso, viram-se forçadas a recorrer às facilidades do digital, ao uso das chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), para comunicarem entre si, para agirem e praticarem a infinidade de actos que caracterizam a vida pessoal, social, cultural e económica no seu movimento normal, tal como ela se apresentava organizada. É, assim, que se multiplicaram as compras on-line, os pagamentos por meios electrónicos e demais operações de carácter financeiro, o teletrabalho, as videoconferências, as aulas síncronas, etc., etc., sem contar com o número incontável de contactos através de chamadas telefónicas, face-time, skype, redes sociais e tantas outras plataformas digitais, e a quantidade de informação acessível nos canais televisivos generalistas e outros. Temos, pois, de reconhecer a importância de que se tem revestido o uso da Internet e as vantagens que daí advieram para os que a ela têm acesso.
Recentemente vieram a público números assustadores sobre o aumento exponencial dos cibercrimes nos últimos dois meses: mais de 150% em relação aos meses anteriores ao início do surto epidémico. Os piratas informáticos, aproveitando-se do estado de necessidade em que nós nos encontrávamos e de dependência do uso da Internet, exercitaram as suas habilidades em matéria de intromissões e devassas dos sistemas informáticos para darem largas à sua imaginação e perversidade, praticando ciberataques e todo o tipo de violações do espaço virtual, quer público, quer privado. Quem esteve atento terá certamente notado a ocorrência dos ataques de que foram alvo a EDP, a Altice, os sistemas informáticos de alguns hospitais, onde os profissionais de saúde arriscavam a vida para salvarem os infectados da COVID 19 e da chantagem exercida pelos piratas informáticos sobre as suas vítimas, através de tentativas de extorsão, exigindo elevados resgates para “carinhosamente” procederem à reparação dos sistemas danificados. Quem prestou atenção, terá ouvido falar do estudante de 19 anos que, por brincadeira, conseguiu entrar e sabotar as aulas síncronas. E ainda do outro jovem da mesma idade que foi detido, por fazer parte de uma associação criminosa de cibercrime, já com um apreciável cadastro. Também se terá apercebido de que o pagamento através do MB WAY tem sido alvo de intromissões fraudulentas, que nos últimos meses renderam aos autores das fraudes três milhões e quinhentos mil euros, montante de que se viram espoliados os utentes dessa forma de pagamento. E o leitor também terá sido avisado para não aceder a determinados sites, sob pena de ver desorganizada toda a programação do seu telemóvel e receber uma mensagem do criminoso a pedir um elevado resgate para “generosamente” recuperar o aparelho danificado.
Quando os portugueses começavam a tomar consciência dos terríveis danos que o coronavírus poderia causar à saúde dos infectados, surgiu uma discreta notícia nos ocs, rapidamente desaparecida do espaço mediático, de que o hacker mais famoso de Portugal e da Europa, um verdadeiro geek dos sistemas de segurança informática, tinha deixado de estar em prisão preventiva, passando a estar em prisão domiciliária, sob vigilância da PJ e sem Internet, nas instalações da Gomes Freire (sede da PJ), sendo-lhe atribuído um estatuto especial para colaborar com a Justiça, nomeadamente para permitir o acesso a todo o conteúdo do material informático obtido na sua actividade como cibercriminoso. Se não fora a declaração da OMS de que estaríamos perante uma pandemia de consequências imprevisíveis, mas provavelmente catastróficas em termos sanitários, sociais e económicos, estou convencido de que aquela notícia teria feito estremecer os órgãos de soberania, os responsáveis políticos com um mínimo de sensatez e a generalidade dos portugueses respeitadores do Estado de Direito Democrático. Como é possível que as autoridades judiciárias do país tenham sido tão exigentes ao ponto de mandarem destruir provas obtidas em escutas telefónicas consideradas ilegais e continuem a fazer uma defesa intransigente do segredo de justiça, venham agora premiar a devassa criminosa de dados pessoais, aproveitando-se de provas criminosamente obtidas, ao arrepio dos mais elementares princípios e regras da investigação criminal. Apesar do grande apreço e confiança que os portugueses têm na Polícia Judiciária pela sua competência e pela legalidade da sua actuação, aquele pacto não pode deixar de ser visto como um entorse ao ADN da nossa PJ e até mesmo como um auto-reconhecimento de incapacidade do Ministério Público e da PJ para levarem a cabo a sua missão como principal e exclusivo órgão de investigação criminal. E no contexto temporal em que aquela decisão terá sido tomada, não admira que os piratas informáticos se tenham sentido incentivados por tal recompensa atribuída a um seu cúmplice, confiados de que poderão eles também enriquecer com os respectivos crimes e serem beneficiados pelo aparelho da Justiça. É natural que alguns jornalistas e certos comentadores políticos compreendam aquele aberrante expediente pela cedência que praticam em relação ao chamado jornalismo de investigação criminal. Esta prática não é mais do que uma clara negação do Estado de Direito, na medida em que permite e incentiva os julgamentos antecipados dos investigados na praça pública e não garante os direitos de defesa das vítimas. Não é mais do que um caso de justiça privada, que, juntamente com os cibercrimes e a forma como alguns dos seus autores são recompensados, ilustram o regresso da barbárie a que estamos a assistir em muitos domínios da sociedade em que vivemos.
* Deste texto foi publicado um excerto na edição impressa do JM Madeira de 24.06.2020.